Dois retratos de Jacó


INTRODUÇÃO
            No contexto que compreende os capítulos 25 e 27 ao 33 do livro de Gênesis, podemos enxergar dois retratos de Jacó. O primeiro nos apresenta Jacó como um suplantador, o segundo, como um nobre príncipe de Deus.


Jacó, o suplantador: Agarrado ao calcanhar
            No ventre de Rebeca estavam gêmeos que viriam a ser pais de nações. Mas, apenas um deles poderia ser o primogênito, e receber a benção profética de Deus pelas mãos do patriarca Isaque. O que aconteceu foi que Esaú nasceu primeiro, mas, logo atrás, agarrado ao seu calcanhar, nasceu Jacó. Ficou a impressão de que Jacó, ainda quando bebê, tentou impedir que Esaú fosse o primeiro. Fazendo uso de um popular jogo de palavras da época, o mais novo recebeu o nome “Jacó – que, entre outros significados, quer dizer ‘suplantador’”.

O fugitivo
            Jacó não se contentou com o direito de primogenitura (que mais tinha a ver com a herança dos bens), e quis também a benção que os patriarcas concediam ao filho que escolhessem para que o nome deste figurasse na continuidade da linhagem da família.
            No dia em que Esaú iria receber a benção do velho pai Isaque, que já estava praticamente cego, Jacó se fez passar por Esaú e lhe tomou a benção, gerando ódio no coração do irmão mais velho.
Esaú começou a procurar a melhor oportunidade para matar Jacó. Sabendo disso, Isaque e Rebeca enviaram Jacó para a terra de Harã. Jacó, então, foge do ódio do irmão.
Lutando como um suplantador, ele só conseguiu desavenças que o levaram a fugir. Agarrado ao calcanhar de Esaú, ele conseguiu para si, nada menos que o ódio mortal do próprio irmão.

Na casa de Deus
            Na casa de Isaque, Jacó foi desleal, astuto e mentiroso. Em “Betel”, que significa “casa de Deus”, Jacó sentiu o horror dos seus pecados – “Temível é este lugar!” (Gn 28:17) – e se arrependeu. A meu ver este arrependimento é verdadeiro, pois Jacó mudou sua postura de vida, e esta mudança perdurou até o fim de sua história.
            Ao contemplar a magnífica visão de uma escada que unia céu e terra, ao ver os anjos subindo e descendo por ela, e ao ver o Senhor (Deus de seus pais) prometendo-lhe tudo o que ele sempre quis, Jacó foi profundamente impactado.
Tudo o que Jacó passou a desejar com maior intensidade à partir deste dia foi a benção da paz. Todavia, não estou me referindo à paz como nós a conhecemos, mas, refiro-me ao conceito “Shalom” de paz. Para os antigos hebreus, esta palavra incluía saúde, bem estar, segurança e prosperidade.
Jacó parece, finalmente, compreender que o que ele realmente desejava não estava com Esaú, e nem mesmo com Isaque. É aqui em Betel que lhe ocorre que, se o pai dele tinha tudo o que um homem precisa para ter uma vida honrosa e feliz, e o pai dele recebeu a mesma promessa que foi feita a Abraão, significa que Deus é o responsável por tudo isso. A benção nas mãos de Isaque, na verdade era a benção do próprio Deus, o Todo-Poderoso.
Em Betel, Jacó faz um propósito com Deus. Ele pede ao Senhor a Sua presença, o Seu cuidado, a Sua provisão, e a chance de um dia voltar para casa e reconciliar-se com os seus – 

“Se Deus estiver comigo, cuidar de mim nesta viagem que estou fazendo, prover-me de comida e roupa, e levar-me de volta em segurança à casa de meu pai, então o Senhor será o meu Deus” (Gn 28:20-21). 
É isso o que ele quer, e é isso o que Deus quer lhe dar: “Estou com você e cuidarei de você, aonde quer que vá; e eu o trarei de volta a esta terra. Não o deixarei enquanto não fizer o que lhe prometi” (Gn 28:15).
Pela primeira vez na vida, ele vive uma experiência pessoal e real com o Senhor. E ao conhecer de perto o eterno Yahweh, Jacó decide que não será mais um suplantador. Em todo o decorrer de sua história, não o encontraremos mais agindo com deslealdade. Mesmo injustiçado, como veremos que ele foi, ele mantêm-se fiel a Deus e nobre para com os homens.

20 anos em Harã (Gn 29-30)
            Nosso personagem chaga à casa dos parentes de sua família. Labão era irmão de Rebeca. Jacó apaixona-se por Raquel, a filha mais nova de Labão. Para ter direito a casar-se com ela, Jacó faz um compromisso com Labão: "Trabalharei sete anos em troca de Raquel, sua filha mais nova" (Gn 29:18). Labão concordou e firmou o acordo com seu futuro genro. Durante os sete anos Jacó cuidou do rebanho de Labão, e em suas mãos, o rebanho cresceu muito, pois a benção de Deus estava sobre Jacó. Em tudo o que fazia, Deus estava com ele, a prosperidade chegou à casa de Labão por causa de Jacó. “Então Jacó trabalhou sete anos por Raquel, mas lhe pareceram poucos dias, pelo tanto que a amava” (Gn 29:20).
Finalmente chegou o grande dia de Jacó casar-se com a amada dos seus sonhos. Após a festa, que muito provavelmente foi aquecida com muito vinho, Jacó foi deitar-se com sua esposa na escuridão da noite e da tenda. Ao amanhecer, a grande surpresa, não foi com Raquel que ele se deitou, mas com Léia, a filha mais velha de Labão. Que ironia, o ex-enganador foi enganado. Labão certamente queria mantê-lo perto de si, o máximo de tempo possível, pois sabia que sua prosperidade dependia disso. Mas, como o amor tudo sofre, tudo espera e tudo suporta, Jacó trabalhou mais sete anos por Raquel, ainda que ele a teve como pagamento adiantado.

            Findados os 14 anos, Jacó disse a Labão:

_Deixe-me voltar para a minha terra natal... Você bem sabe quanto trabalhei para você (Gn 30:25-26).

Ao que Labão respondeu:

“...Peço-lhe que fique... Diga o seu salário, e eu lhe pagarei” (Gn 30:27-28).

E Jacó respondeu:

_Dentre os teus rebanhos, tirarei todas as ovelhas salpicadas e pintadas, todos os cordeiros pretos e todas as cabras pintadas e salpicadas. Eles serão o meu salário. E a minha honestidade dará testemunho de mim no futuro. Toda vez que você resolver verificar o meu salário, se estiver em meu poder alguma cabra que não seja salpicada ou pintada, e algum cordeiro que não seja preto, poderá considerá-los roubados.

E disse Labão:

            _De acordo. Seja como você disse (Gn 30:32-34).

            Sabemos que a parte do rebanho que ficou com Jacó era a menor parte porque o verso 36 nos traz a seguinte informação: “Jacó ficou a apascentar o resto dos rebanhos de Labão”. Contudo, milagrosamente Deus fez com que as crias do resto que lhe coube do rebanho nascessem também malhadas e salpicadas. Sabemos que ainda hoje não existe ciência segura e eficaz o suficiente para fazer isso, quanto mais naquela época. Jacó aplicou um método simples, mas Deus resolveu abençoá-lo, como já havia lhe prometido, e Jacó enriqueceu.
            Mas, este método simples que Jacó adotou para aumentar seu rebanho, suscitou suspeita nos filhos de Labão, bem como inveja e comentários maldosos. O clima ficou insustentável para o homem que sonhava com a paz. Foi então que o Senhor lhe ordenou que voltasse para a casa de seu pai (31:13), e Jacó decidiu que faria isso. Sabendo que Labão não permitiria, Jacó saiu às escondidas, mas desta vez, sem deixar motivos para lhe acusarem de roubo. Jacó partiu somente com e que era legitimamente seu. Ao descobrir a fuga, Labão o perseguiu com seus homens. Mas o Senhor o advertiu no caminho ordenando que não fizesse mal a Jacó. Ao alcançá-lo, pediu satisfações. Jacó respondeu que fez o que desejava fazer, e o fez em secreto, temendo a reação do sogro. Labão, então, procura entre os pertences de Jacó, os seus ídolos, que sua filha Raquel havia furtado sem que Jacó o soubesse. Não encontrando-os, devido à esperteza de Raquel, Labão ficou à mercê do discurso e desabafo de Jacó:

            _Qual foi o meu crime? Que pecado cometi para que você me persiga furiosamente? 20 anos estive com você. Jamais comi um só carneiro do seu rebanho. Eu nunca levava a você os animais despedaçados por feras; eu mesmo assumia o prejuízo. E você pedia contas de todo animal roubado de dia ou de noite. O calor me consumia de dia, e o frio, de noite, e o sono fugia dos meus olhos. Trabalhei para você 14 anos em troca de suas duas filhas e seis anos por seus rebanhos, e 10 vezes você alterou o meu salário. Se o Deus de meu pai, o Deus de Abraão, o Temor de Isaque, não estivesse comigo, certamente você me despediria de mãos vazias. Mas Deus viu o meu sofrimento e o trabalho das minhas mãos. (Gn 31:36-42).

            Lendo estas palavras, alguém tem dúvida que Jacó realmente mudou de vida após seu encontro com Deus em Betel? É bem verdade que, de Canaã, saiu um Jacó suplantador, mas em Harã, chegou um Jacó honesto e nobre trabalhador.
            Tudo à mesa, nada por resolver, é hora de seguir viajem rumo a Canaã. 20 anos atrás ele fugiu do ódio de Esaú, agora, ele corre diretamente em direção a ele. E se Esaú ainda quer vingança, Jacó quer o perdão.

Um príncipe no Vale
            Os irmãos já estão quase chegando um ao outro. Esaú vem com um exército armado, Jacó vai com presentes.
            Mas, antes do reencontro com Esaú, um reencontro com Deus. Jacó fez com que todos passassem pelo vau de Jaboque, família, servos, bens e animais. Jacó, porém, ficou só.
            Não há ninguém entre eles, nada que já não tenha ido, há somente Deus e Jacó no vale – talvez tenha restado apenas a esperança de algo novo no ar. Depois de tanto tempo, quando já o sol surgia para assistir a luta, o misterioso homem que lutava com Jacó, tocou-lhe a coxa. E disse:

            _Deixe-me ir, pois o dia já desponta.

Mas Jacó lhe respondeu:

_Não Te deixarei ir, a não ser que me abençoes.

O homem lhe perguntou: “Qual é o seu nome?” - “Jacó”, respondeu ele. Então disse o homem:

_Seu nome não será mais Jacó, mas sim Israel, porque você lutou com Deus e com homens como um príncipe, e venceu (Gn 32:26-28).

Jacó saiu dali mancando, e com um novo nome.
Foi no Vale de Jaboque que Deus fez visível em Jacó o que já era real em seu coração. Jacó agora é um novo homem, seu nome é outro e seu andar é diferente. Estes sinais apontam para o seu caráter, que foi transformado pelo próprio Deus em Betel.
Agora, quando Esaú já está quase chegando a Jacó, ele o vê prostrado ao chão, em total rendição. Esaú recordava-se de um Jacó suplantador, desleal e covarde. Mas deparou-se com um Jacó nobre, lutador, corajoso e prostrado. Vendo isso, Esaú não suportou mais... O ódio esmoreceu-se no coração, e abraçando o irmão, beijou-lhe o pescoço, e os dois choraram juntos em uma bela cena de reconciliação. Tudo se fez novo.

“Naquele dia Esaú voltou para Seir. Jacó, todavia, foi para Sucote, onde construiu uma casa para si e abrigos para o seu gado. Foi por isso que o lugar recebeu o nome de Sucote” – que significa “em paz” (Gn 33:16-17).

Finalmente Jacó conseguiu tudo o que queria. A verdadeira paz no conceito hebreu. Prosperidade: “Deus, graciosamente me tem dado. E ... tenho de tudo” (Gn 33:11); e família saudável: “os filhos que Deus graciosamente tem dado a teu servo” (Gn 33:5) “E chegou também Léia com seus filhos... chegaram José e Raquel e inclinaram-se” (Gn 33:7).

A benção é para o menor
            Mas, seria este o fim da história? Qualquer romancista comum dar-se-ia por satisfeito em encerrar a história aqui. Mas Deus vai sempre além. A promessa que o Senhor lhe fez, desde Betel, mencionava muito mais do que bens materiais:

            Darei a você e a seus descendentes a terra na qual você está deitado. Seus descendentes serão como o pó da terra, e se espalharão para o Oeste e para o Leste, para o Norte e para o Sul. Todos os povos da terra serão abençoados por meio de você e da sua descendência” (Gn 28:13-14).
            O Senhor tem em vista, não apenas a felicidade da família de Jacó. Mas, Ele quer que todas as famílias da terra sejam abençoadas através de Jacó, que agora é Israel. Sabendo disso, no fim de sua vida, Jacó abençoa seus filhos, de onde surgiram as 12 tribos de Israel, além de prever e profetizar o futuro de cada tribo, debaixo da revelação divina. Jacó também quer abençoar seus dois netos, filhos de José. Incluindo-os entre as tribos de Israel, Jacó faz algo que nos faz a lembrar de Isaque.
            Deus realmente havia escolhido Jacó, e não Esaú, ainda que Jacó não fosse o mais velho. Mas, Isaque não sabia o que era ser o menor na sua própria casa e nem o último a ter a esperança de receber a herança do pai. Ele era o único filho da promessa. Seu irmão Ismael, filho de Agar, serva de Sara, teve que sair de casa, por não ser filho da mulher legítima de Abraão. Isaque não sabia o que era ser o menor nem o último. Ele era o único e o protegido.
            Com todos os seus erros, Jacó aprendeu profundas lições em sua luta por um lugar de honra. Ele aprendeu que nem sempre Deus pensa como os homens, o Senhor está acima dos métodos, costumes e regras humanas.
            José queria que Jacó impusesse a mão direita (a mão da benção principal) sobre seu filho mais velho, Manassés, por isso, posicionou-o na direção da mão direita do patriarca. Mas, Jacó cruzou os braços e pôs a mão esquerda sobre Manassés, deixando a mão direita para o mais novo, Efraim. Jacó teve discernimento o suficiente para reconhecer que a benção da mão direita era para o menor. Esse discernimento ele construiu ao longo de sua jornada. Jacó e Efraim receberam a benção à qual, culturalmente, não tinham direito. O mesmo aconteceu com Davi. Jesus ensinou que no reino de Deus, o maior é na verdade o menor e o servo de todos. Sim, verdadeiramente, a benção é para o menor.

Caro leitor, não se preocupe se você se sente pequeno e incapaz. Apenas seja como Israel, que lotou com Deus e com os homens como um príncipe, ou seja, com honra. Estando aliançado com Deus, você alcançará no Senhor um lugar chamado SUCOTE, que quer dizer EM PAZ. Esta paz significa paz com Deus, com a família, com os homens, e prosperidade bíblica. Mas não esqueça de amar e servir a todos, pois a benção maior de Deus é para o menor.  

A todos, Graça e Paz!!!
Twitter: @edercarvalho_

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